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Carlos Ruffeil e Tainá Marajoara: cozinhar é um ato revolucionário

O primeiro vocabulário que se aprende sobre Belém do Pará é este: tacacá, maniçoba, tucupi, filhote, açaí com tapioca, jambu…e a lista de palavras só cresce. O sotaque paraense nasce no paladar e a cidade realmente nos fisgou pelo estômago. Os frutos, as castanhas, as farinhas. Tudo parecia vir, porém, com um sobrenome que nos incomodava: “exótico”. Quem já morou em algum outro país sabe que este é um apelido comum quando se fala em Amazônia, em Brasil. E nem precisa ir tão longe. Tainá Marajoara, ativista alimentar, me conta que foi em 2009, na cidade de São Paulo, que se sentiu uma estrangeira em seu próprio país quando falava dos saberes e técnicas culinárias amazônicas e paraenses. Junto ao chef de cozinha Carlos Ruffeil decidiu, então, criar o Iacitatá Centro de Cultura Alimentar. Em tupi, Iacitatá é “a grande luz que fertiliza a vida na terra e faz germinar novas árvores, flores e frutos para alimentar a floresta”. O nome define: é lugar fértil. Terreno para se pensar a economia criativa, o turismo responsável, a transformação social, a proteção e salvaguarda dos conhecimentos tradicionais …

Sebastião Nascimento e uma aparelhagem da saudade

Fiquei curiosa para conhecer de perto Belém do Pará ao ver um documentário sobre a indústria fonográfica e o tecnobrega chamado Good Copy, Bad Copy, com o jornalista Ronaldo Lemos. A estreita relação da cidade com a música é audível a qualquer passante que esteja atento aos bikesons, às aparelhagens e às guitarradas. Foi nesse encantamento pelo som e pelo Pará que me peguei assistindo repetidas vezes ao Sonoro Diamante Negro, um vídeo que fazia parte da exposição “A Arte da Lembrança”, com curadoria de Diógenes Moura, no Itaú Cultural. O projeto tratava-se de uma inciativa de preservação de memórias de Suely Nascimento para reconstruir a vida de uma das primeiras grandes aparelhagens de Belém. O que me fisgou no trabalho da jornalista e fotógrafa paraense foi o fato que o dono do Sonoro era seu pai. Até então, eu sabia que o Andarilha seria sobre quem vive o percurso e busca inspirações em suas andanças cotidianas. Mas só ali, embalada pela música dos Bailes da Saudade, entendi que, se somos trajetória, é essencial falarmos também das heranças. E assim, nasceu esta plataforma, que resgata os sotaques e as histórias herdadas como referência para criar. Um ano …

Erlaine e a família Biano: a herança do Congado

Em visita à Jequitibá, cidade conhecida como a capital do folclore mineiro, fomos convidados pela equipe do Folclorata (festival que promove o encontro de culturas populares) para ir acompanhar um ensaio da família Biano. Logo quando chegamos à comunidade quilombola de Lagoa da Trindade, encontramos um sítio de terra batida, uma casa amarela, muitos tambores e, claro, a serelepe Erlaine na varanda da casa. Tem gente que nasce festa. Pois Erlaine nasceu na família certa. Seu avô Sebastião começou a Congada e seu pai Domingos seguiu formando a Guarda de Nossa Senhora do Rosário.  Erlaine fez questão de nos mostrar um diploma comemorativo que o prefeito concedeu em homenagem ao seu pai. Com muito orgulho, ela conta que ele não foi só um grande salvaguardor deste saber na família, mas também um criador de danças, cantorias e rítmos. É dele a autoria da Dança das Manguaras, uma apresentação feita com varas longas de pau (manguaras) extremamente enérgica, guiada pelo som de apitos ritmados, com coreografias diversas: ‘Meu pai já era de idade quando ele viu uma dança em uma festa [Vilão] e decidiu criar uma parecida, mas ao seu jeito. Colocou …

Orgulho dos pais, Clemilton esculpe uma família

Quem trabalha com arte e cultura sabe. Quantas vezes você já foi desencorajado a seguir esses passos? Quantas pessoas já te chamaram a atenção para possíveis apertos financeiros, para as questões de ego, para algumas dificuldades? Em uma família de advogados, economistas e engenheiros, compreendo de alguma forma esse lugar. Por isso, conhecer Clemilton foi marcante. Quando nos falaram de um novo talento em Mata da Onça, região próxima à Ilha do Ferro, fomos lá conhecê-lo. Vilarejo lindo. Lindo. Essa paisagem vou guardar pra sempre na lembrança. Na fachada da casa, um brasão enorme do time da família: o Vasco. Um bar de um lado, uma morada do outro. Entramos na sala e a família toda veio nos receber. Clemilton é um moço jovem, tímido, quieto. Fica ao fundo buscando as esculturas de madeira a cada palavra alternada pelo pai e pela mãe. Sim, nunca vi pais mais orgulhosos. A cada pergunta que eu fazia eles disputavam qual peito era mais inflado de amor pelo talento do filho. Sabe aquela expressão “dá gosto”? Deu. Muitos dos …

Aberaldo e uma família em manifesto pela herança

Se existe um homem sertanejo, ele se chama Aberaldo. Conhecido pelo seu primeiro nome. Lardo, para a família e amigos próximos. Aberaldo Santos Costa Lima, nascido em Ilha do Ferro, Alagoas, é filho de Costinha, poeta e fazedor de barcos, sobre quem já contamos aqui. A padaria local só recebe pães um dia na semana e o mercado mesmo só em Pão de Açúcar, cidade do outro lado do rio. Por isso, é difícil ir à Ilha e não conhecer a casa de Aberaldo, afinal, é sua esposa, Vânia, quem recebe muitos dos visitantes para o café, almoço e janta que ela prepara todos os dias no fundo da casa, em uma mesa larga de madeira no quintal repleto de restos de galhos, raízes, folhas, casulos e troncos retorcidos, muitos à espera de Aberaldo e sua imaginação. Ateliê de Aberaldo, em Ilha do Ferro, Alagoas Enquanto Vânia nos recebe com sorriso largo e – só mesmo alguém que já visitou o sertão ou um interior de cerrado vai entender – com muita fatura nas refeições; Aberaldo senta-se no canto oposto da …