Caminhando pelo Brasil, sempre me pego pensando como algumas pessoas possuem similaridades mesmo morando à distâncias grandes umas das outras. Como os gaúchos e os potiguares. Rio Grandes que têm em comum a figura do vaqueiro. Foi Iana Soares quem me mostrou o ensaio “Uma tradição nos Rios Grandes: a imagem do vaqueiro contemporâneo em transição”, do fotógrafo Pablo Pinheiro. Fiquei encantada com o seu olhar atual para a tradição e o paralelo que ele criou entre as diferentes culturas e regiões através das pessoas. Nesse ensaio em preto e branco, o humano é a nuance que transborda margens. Contemplado pelo XIV Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia, é sobre esse trabalho que Pablo relata seu processo criativo aqui:
Uma coisa muito interessante de todo esse processo do RIO GRANDES foi, é e será, o meu envolvimento com a aprendizagem. Começa por eu ter tido uma formação na cidade, e em um determinado momento da minha vida, ter passado a perceber (também) o universo rural. Uma percepção que me gerou uma curiosidade, que me fez criar uma ação de conhecer e que começou por uma pergunta: “como me sinto tão daqui se não sou daqui?!”. O primeiro passo foi dado por não ter uma resposta.
No início, minhas buscas foram somente no Rio Grande do Norte. Procurava uma região em que eu pudesse encontrar diversas raízes tradicionais do que significava a formação do Estado em que moro. Foi procurando e encontrando que vi uma figura que iria representar boa parte do que pesquisava: o vaqueiro de gibão de couro. Uma figura que representa um recorte autêntico, brasileiro, de uma tradição. Naturalmente, fui me aproximando e conhecendo um pouco desse mundo que não era o meu.
Aos poucos eu fui construindo os caminhos de convívio. Para cada realidade encontrada criávamos, eu e eles, um tempo diferente para nos conhecermos. Fui me tornando um conhecido ao mundo deles e, ao mesmo tempo, me apropriando de um mundo que não era meu. Criei muitas amizades, que mantenho carinhosamente até hoje. Eu procuro sempre voltar aos locais pelos quais passei e atualizar as conversas. Sempre temos mais histórias para contar.
Terminei descobrindo algo muito mais rico. Uma nova maneira de aprendizagem. Com uma visão completamente diferente do meu mundo. Foi aí que muitos viraram mais do que conhecidos e amigos, eles se tornaram meus professores. O mais engraçado, e que ainda acontece, é que me vejo numa sala de aula, sentado com meus colegas de lá, assistindo um deles nos ensinando alguma coisa nova. E todos nós ficamos assistindo a aula sem piscar os olhos. E sim, existe um período de avaliação também. Continuo na média, até agora não reprovei.
A forma como esta experiência tomou conta de mim, foi se transformando em força para o meu desejo querer conhecer mais. Comecei a me perguntar como seria esta figura do vaqueiro tradicional em outros lugares. E a primeira figura que me veio à mente no país foi a dos gaúchos, uma figura tão forte quanto a imagem do vaqueiro nordestino. O que eu fiz? Na primeira oportunidade corri para conhecer o sul e esta figura.
O tempo para produção foi muito curto, muito mesmo. Se eu pudesse ficar mais, ficaria. Mas não interferiu no resultado final. Tudo já estava muito latente no processo e o que nasceu desta experiência me mostrou um caminho de certezas inquietas; que a história não parou por aqui. O resultado é maduro, com uma visão maturada por mim, Rosely Nakagawa e todos os envolvidos.
Toda a estrutura do projeto foi pensada para ser disponibilizada via internet. Quem trabalha com educação, sabe a importância de multiplicar os agentes. E eu irei aguardar novas oportunidades para voltar e reencontrá-los. Botar o papo em dia, lhes contar como o mundo daqui reagiu ao mundo deles e ver se consegui passar de ano nessa escola.
Pablo Pinheiro
Pablo Pinheiro é fotógrafo há mais de 16 anos. Formado em Publicidade e Propaganda pela Universidade Paulista, onde mais tarde coordenou os cursos de Comunicação Digital e Fotografia Digital. Depois lecionou em duas instituições Universidade Potiguar e a Fanec em Natal/RN, ambas no curso de Comunicação Social. E desde 2007 é o responsável pelo Estúdio P | Produção e Imagem, uma empresa que atua com uma identidade própria no panorama cultural e fomento da fotografia no Brasil, assim como no mercado publicitário, jornalístico e documental. Para saber mais: estudiop.com.br/riograndes