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Um encontro com Zé Bezerra, por Tiago Silva

Em Pernambuco, a tradição de desbastar a umburana, arvore típica da Caatinga, para esculpir carrancas, imagens religiosas entre outras figuras, é mais forte em cidades do sertão como Petrolina. No agreste, esse saber é mais presente em Ibimirim. Entretanto, é em Buíque que reside um dos grandes nomes escultores: José Bezerra ou Zé Bezerra, como prefere ser chamado.

Nascido em 1952, Zé, há um pouco mais de uma década, conta que teve um sonho em que era chamado a realizar os trabalhos que faz atualmente. A partir daí, ele passou a olhar as madeiras que o cercavam e a intervir nelas. Essa “intervenção” na madeira feita por ele não ocorre na forma tradicional: “eu não crio nada, a coisa já está lá, eu só ajudo a fazê-la nascer”.

Buíque, Pernambuco - Brazil. Setember 19th - Works of José Bezerra, Catimbau Valley sculptor.Buíque, Pernambuco - Brazil. Setember 19th - Works of José Bezerra, Catimbau Valley sculptor.Buíque, Pernambuco - Brazil. Setember 19th - Works of José Bezerra, Catimbau Valley sculptor.Buíque, Pernambuco - Brazil. Setember 19th - Works of José Bezerra, Catimbau Valley sculptor.Buíque, Pernambuco - Brazil. Setember 19th - Works of José Bezerra, Catimbau Valley sculptor.

São bichos, corpos e rostos, esculpidos geralmente em toras de madeira encontradas na região. Não são figuras que remetem à leveza do nosso imaginário da arte feita à mão, ou arte dita popular. Pelo contrário, são esculturas que parecem lutar para emergir.

JB, como assina, atribui essa luta à sua própria vida. Filho de agricultor, foi lavrador: “Já arrumei muita confusão quando mais jovem também, até preso já fui. Mas, desde que comecei a trabalhar com a madeira, a paz e a felicidade tomam conta de mim e da minha família.” Zé já expôs suas obras em grandes galerias do Brasil e em países da Europa como França e Itália.

Buíque, Pernambuco - Brazil. Setember 19th - José Bezrra or Zé Bezerra, 64, is one of the most influential artists in northeastern Brazil. Works usually with twisted logs, typical vegetation of the Caatinga, exclusively Brazilian biome, where he lives, in Catimbau Valley in Buíque - Pernambuco, Brazil. His animals, bodies and faces, usually carved in umburana not have much of sweetness of the call folk art, made of affection and familiarity with the materials, their figures seem to struggle to emerge. JB, its signing, attributes this "struggle to emerge" with his own life. Among the difficulties of the arid climate, prisons and art, Zé Bezerra is a figure as surprising as his work.

José Bezerra, escultor do Vale do Catimbau, PE.

A música é outra grande paixão do artista. Toda vez que algum visitante chega, pega a zabumba e desenrola a cantar, mas sempre com originalidade, combina letras e canções de outros músicos consagrados com seu repente.

O Vale do Catimbau, com seus 62.300 hectares, abrange os municípios de Buíque, Ibimirim e Tupanatinga, entre o Agreste e o Sertão pernambucano. Entre as dificuldades do clima árido da região, ele tira seu fazer. Zé Bezerra é uma figura tão surpreendente quanto sua obra.

Buíque, Pernambuco - Brazil. Setember 19th - José Bezrra or Zé Bezerra, 64, is one of the most influential artists in northeastern Brazil. Works usually with twisted logs, typical vegetation of the Caatinga, exclusively Brazilian biome, where he lives, in Catimbau Valley in Buíque - Pernambuco, Brazil. His animals, bodies and faces, usually carved in umburana not have much of sweetness of the call folk art, made of affection and familiarity with the materials, their figures seem to struggle to emerge. JB, its signing, attributes this "struggle to emerge" with his own life. Among the difficulties of the arid climate, prisons and art, Zé Bezerra is a figure as surprising as his work.José Bezerra, 64, Vale do Catimbau, PE.


Por Tiago Silva, fotógrafo e andarilho, colaborador da Nossa Rede. Fotos: Tiago Silva.

Super Casas, por Fabiana Moraes

Não conheci Fabiana pelos seus textos, mas sim pelas suas imagens – o que pode ser considerado um pecado. A jornalista pernambucana já lançou vários livros (Os Sertões, Nabuco em Pretos e Brancos, No País do Racismo Institucional e O Nascimento de Joicy) e, como reporter especial do Jornal do Commercio em Pernambuco, venceu recentemente o prêmio Petrobrás de Jornalismo com a série Casa Grande e Senzala.

Foi através de fotos das casas que ela visita em reportagens que conheci seu olhar para o Brasil. Registros de andanças que ela reúne de forma irônica na hashtag #supercasas. Onde anúncios imobiliários de modernos apartamentos se encontram, Fabiana sapeca as imagens das mais belas casas populares. Só mesmo alguém atento às possibilidades de leituras que as redes sociais proporcionam para garantir o tom político tão inerente à este tema: a morada.

• Como jornalista, de onde surgiu a ideia de fotografar casas pelo Brasil?

Nunca tive nenhuma pretensão de fazer um levantamento sobre moradias populares. Mas, ao entrar tantas vezes nas casas das pessoas – já se vão mais de 15 anos pedindo licença e sentando nos sofás ou nos bancos ou no chão do lar dos outros –, aprendi que o que está disposto nas casas diz muito sobre quem está falando. Não se trata de uma correspondência automática, é preciso perceber as sutilezas.

Já entrei em casas sertanejas extremamente sofisticadas: chão de cimento, copos emborcados sobre uma toalha de brim, panelas brilhantes, paredes sem medo de cor. Acho emocionante o cuidado e a dedicação, e penso que as imagens da pobreza e da dureza da alma do sertanejo estão bem distantes daquele lar. São casas políticas no momento em que elas redimensionam a ideia que temos do popular. Minha quase obsessão em fotografá-las tem relação com isso: quero mostrar, compartilhar, o que me emociona e o que acredito provocar fissuras no imaginário.

supercasas2supercasas3Super Casas, por Fabiana Moraes

• Por que tageá-las com o nome Super Casas?

O #supercasas é uma provocação. Como o “super” é dedicado geralmente à representações do luxo, do hiperbólico, do sensacional, quis justapô-lo a esse lugar de simplicidade, da taipa, dos calendários nas paredes. Não é uma tentativa de romantizar esses espaços – onde, como em qualquer outro, acontecem conflitos – mas orientar o olhar que os observa sobre outro eixo. Se você colocar o #supercasas no instagram, vai ver que as outras super são sempre lares caríssimos e feitos para poucos. As que são voltadas para casas populares já estão em correspondência com a hashtag que criei para o “projeto” (e um monte de gente já colaborou e colabora).

supercasassupercasas6Super Casas, por Fabiana Moraes

• Em algumas imagens, você narra uma história sobre. Qual a sua história favorita o por que?

Conto as histórias de lares com os quais tive, geralmente, mais contato. Que me intrigaram mais, que me comoveram mais. Nem sempre é possível, é mais comum não contar uma história sobre uma casa. Uma que me marca: a casinha de Sertânia (povoado de Rio da Barra), cercada por uma plantação de palma, que alimenta o gado. Está abandonada há anos. Foi o filho de Pedro, um senhor de 89 anos que mora perto, que construiu. Mas foi para SP e a deixou para trás. Foi ali que vi um pôr do sol inesquecível – alias, vários. A luz por trás dessa casa, quando o sol está se despedindo, é irreproduzível em qualquer imagem – talvez menos na literária.

A casinha verde de Japaratinga foi feita com um carinho absurdo a partir do dinheiro que Lena construíu da cata de marisco. A casa de Maria da Conceição, à beira da estrada, uma casa comprida com apenas uma porta no meio, me lembra uma casa indígena. Um dia conversamos e vi que a casa meio idílica guardava uma série de problemas, como a ausência de energia elétrica, que deixava a família com menos conforto. Pode parecer bonito e romântico para quem está fora, mas não era o caso.

anna1Anna Mariani, Pinturas e Platinbandas

• Quais trabalhos nas artes visuais e/ou na literatura brasileira você recomenda por trabalhar de forma inspiradora a temática “morada”? 

Olha, não tem como não citar o levantamento feito pela fotógrafa Anna Mariani no Pinturas e Platibandas, um livro maravilhoso que só descobri depois que comecei a fotografar. Várias pessoas perguntavam se eu já tinha visto e só o conheci quando fotografava há um ano os interiores e fachadas das casas. O livro Arquitetura Popular Brasileira, de Gunter Weimer, que li há anos, antes de começar a fotografar, também faz um bom levantamento – casas indígenas, casas do sul do país, casas ribeirinhas… casas que ainda não fotografei (ainda) estão lá.

Na literatura, acho que um bom caminho de entrada é ler O Cortiço, esse clássico dos vestibulares que é mais do que isso, sabemos. Nas artes visuais, não me recordo de nada específico agora. Mas a pergunta me fez recordar da casa maravilhosa branca, janelas e portas idem, lá em Inhotim, onde está a obra Continente/Nuvem, de Rivane Neuenschwander. A casa de fazenda foi construída em 1874.

Para você, o que significa “morada”?

Morada: o primeiro lugar que você pensa quando se vê no meio de uma roubada :] pode ser os braços de alguém.

I41954013Anna Mariani, Pinturas e Platinbandas


Para seguir: Supercasas. Foto topo: Casa de Maria da Conceição, à beira da BR-101 sul. Por Fabiana Moraes, Super Casas.

 

Encantados, por Ricardo Teles

Nascido em Porto Alegre, Ricardo Teles trabalha como fotógrafo independente para publicações como as revistas alemã Der Spiegel e National Geografic Brasil, pela qual recebeu por duas vezes o  prêmio Best Edit de melhor reportagem internacional (2013 e 2015). Foi pesquisando sobre patuás, que cheguei até o seu trabalho e o ensaio “Encantados”. É um prazer recebê-lo no Andarilha para falar sobre suas andanças pelo Brasil:

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• O que te levou a fotografar as celebrações afro-brasileiras? Por que o nome Encantados?

Encantados é um termo usado em um religião peculiar do Maranhão, o Terecô. Significa estar sob efeito de encantaria, de um ente espiritual. Acho que isso se aplica bem para o estado de espírito das pessoas que participam das celebrações afro-brasileiras de maneira geral. É uma busca pela ancestralidade, de um significado a existência.

Extraídos a força do seu meio social e natural; condenados a dispersão e a mistura, mercadejados e vendidos, os africanos encontravam-se diante de uma situação limite quando foram trazidos para cá. Foram trezentos e cinquenta anos de escravidão negra no Brasil; o mais perverso, duradouro e lucrativo negócio do Novo Mundo.

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O banzo, o auto-aniquilamento, e os quilombos, os levantes em massa, foram alternativas que equivalem à negação no engajamento a conversão. Além delas, entretanto, talvez a mais comum e eficaz forma de resistência foi a encontrada pelos cultos e celebrações afro-brasileiras. Ao invés da auto-destruição ou da guerra, procurou-se enfrentar as mais duras condições com a disposição de perdurar. O artifício de que se valeram, com essa finalidade, foi o de transformar o impulso autodestrutivo em discurso.

A cultura afro-brasileira se desenvolveu e se multiplicou com base neste pensamento e hoje apresenta uma diversidade e riqueza enorme. Fora isso, este tema cruza com meu ensaio anterior, o Terras de Preto, sobre quilombos no Brasil. Foi de certa forma como um prosseguimento, considerando porém as diferenças de estilo e de abordagem.

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• Pra você, o que é “patuá?”
Patuá, mesmo para os mais céticos, é a fé na vida. É falar consigo no papel de outro. Geralmente vem simbolizado em amuletos, correntes, brincos ou anéis. Porém, no fundo é isso: a fé em essência. RTELES_009RTELES_010• Como é ser um fotógrafo andarilho e fazer uma série como a Transbrasilianas?

Transbrasilianas é um projeto em desenvolvimento que conta as minhas impressões de um Brasil profundo, de minhas experiências como fotógrafo andarilho. É interessante mencionar que todas as imagens feitas até aqui foram realizadas quando eu estava a serviço de algum trabalho. Ou seja, até o momento não consegui tempo e recursos para mergulhar neste assunto com total liberdade que gostaria.

BR 163. Jangada/MT.

Em um deles, por exemplo, fiquei por três meses viajando pelo Mato Grosso, foram mais de trinta mil quilômetros por todos cantos do estado e uma experiência muito forte. Neste período, convivi muito com caminhoneiros, que são um dos temas mais importantes deste projeto; além de tantos outros personagens que fui encontrando pelo caminho e que são muitas vezes invisíveis aos olhos de quem habita as grandes cidades.

Enfim, a estrada revelou-se um tema onde consigo abordar diferentes questões sociais e ambientais do Brasil. Acho que é projeto mais inspirador que tenho em toda minha vida profissional; um registro pessoal que é a soma de impressões sobre questões importantes para um melhor conhecimento do país. Continuo intensamente nessa vida de andarilho e tenho muito orgulho de conhecer o Brasil muito além das capitais.

Pastoral do caminhoneiro, posto Esso, BR 101, Mucuri/BA.

Por que você fotografa? Por Tiago Silva

Tenho certeza que a hora que eu encontrar Tiago Silva, a gente vai se perder contando histórias. É ele quem dá linha à prosa boa sobre fotografia e conta muito sobre sua trajetória de vida e como isso influencia diretamente o seu trabalho. Um dos membros do recém criado Coletivo Nação, Tiago largou São Paulo pelas raízes pernambucanas e relata aqui um pouco de seus passos:

• O que é o Coletivo Nação?

O Coletivo Nação é um projeto que eu e mais 12 amigos de distintas regiões do país começamos a desenvolver em Fevereiro deste ano, com o objetivo de criar relatórios visuais que destaquem as idiossincrasias do Brasil. Com uma abordagem que almeja ir além dos esteriótipos, das festas populares, da religiosidade, o que nós buscamos são momentos do cotidiano que identifiquem aspectos da identidade brasileira que, quando somadas, revelem a pluralidade do nosso país sem perder de vista as similaridades dos fazeres que nos identificam como Nação.

Esse pensamento é apoiado em diversos fatores, talvez o principal seja justamente a estereotipação da cultura regional brasileira, muitas vezes subsidiada por políticas culturais e de turismo que acabam prejudicando qualquer tentativa de conhecimento sério. A grande conseqüência disso é o preconceito cultural, uma conduta que vem se disseminando entre as mais diversas camadas sociais. Há sempre um suplemento -ou uma lacuna- que se interpõe quando se fala do Brasil – e da cultura brasileira – também em lugares surpreendentes, de onde se deveria esperar uma abordagem mais séria e mais documentada. Além da questão cultural, as agitações civis e políticas das grande captais também são pauta para o coletivo.

Cotidiano da comunidade quilombola do Mundo Novo em Buíque, PE

• O que te levou a fotografar Buíque?

Buíque é uma cidade muito curiosa. É meio agreste, meio sertão, reconhecida por ser a terra onde Graciliano Ramos aprendeu as primeiras palavras, terra do poeta Cyl Gallindo, membro da Academia Pernambucana de Letras, do grande Zé Bezerra, escultor fascinante e um dos artistas mais influentes do sertão, além do Parque Nacional do Vale do Catimbau e das comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas, passa por um processo de mudanças sociais com a chegada da tecnologia que deixa qualquer faculdade de sociologia e antropologia no chinelo.

Porém, como a maioria das cidades do interior do nordeste é pobre, politicamente atrasada, possui um dos piores índices de desenvolvimento humano do país e taxas de evasão escolar e analfabetismo exorbitantes. Moro aqui há um ano e meio e minha vinda para cá está inerentemente ligada à parte da minha história de vida. Na infância morei bem próximo dos meus avós maternos. Ambos eram nordestinos, minha avó de Recife e meu avô da Paraíba. Na verdade eu morava numa casa em cima da deles, na Zona Leste de São Paulo. Havia um choque de costumes quando eu visitava a família do meu pai que se dividem entre mineiros e paulistas. Nada extremo, mas desde criança observava essas “diferenças”.

Primeira visita ao Quilombo Mundo Novo em Outubro de 2014. Na ocasião, se iniciava os primeiros eventos de reairmação de identidade pautado pelo Samba de Coco e Capoeira.

Como morava praticamente na casa dos meus avós maternos, minha infância foi regada de histórias, palavras e sotaques do nordeste. Já no início da adolescencia minha família se mudou para um conjunto habitacional em Itaquera, também na Zona Leste e foi lá que eu conheci Márcia, com 16 anos. Márcia nasceu numa cidade chamada Pesqueira e foi criada em Buíque, onde seus pais moram, ela estava em São Paulo para ficar com a irmã mais velha que tinha se divorciado. Atualmente Márcia é minha esposa e mãe da minha filha, Ana. No começo, passávamos horas conversando sobre o nordeste, as histórias que me contava, muitas vezes, davam sentido para as que eu ouvia na casa dos meus avós. No entanto, vir para o nordeste ou ser fotógrafo nem passava pela minha cabeça.

Foi no fim da adolescência que a fotografia entrou na minha vida. Eu tinha uma guitarra velha que eu adorava e levava para um grande amigo, Sávio Vacarelli, concertar toda vez que dava um problema. Sávio é o tipo de pessoa que todo adolescente quer ter por perto, a oficina dele era (e é até hoje) repleta de vinis e cd’s de rock, jazz e blues, tem uma coleção incrível de filmes e livros e uma barba enorme. Mas o que me chamava a atenção era a quantidade infindável de câmeras fotográficas de todo tipo. Ele trabalhou fazendo “Still” para Mario Carneiro! Apesar de conhecê-lo desde os 15 anos, só pedi uma câmera emprestada aos 20, para fotografar minha filha. Desde então eu larguei meu emprego na área de Call Center e fui ser assistente de fotografia, trabalhei para fotógrafos como Renata Castello Branco e Maurício Nahas.

Roda de Samba de Coco - Buíque - Pernambuco - 2015

A ideia de ir para o nordeste se solidificou há dois anos quando conheci trabalhadores que iam e vinham de Pernambuco para São Paulo em transportes clandestinos que partiam do Brás, no centro de São Paulo e paravam em Águas Belas no interior de Pernambuco. A curiosidade para conhece-los melhor era imensa e eu já sentia as dificuldades de morar em São Paulo, com uma filha mais aluguel e contas sem fim. Então, resolvi me arriscar, largar tudo e partir para materializar todas as historias que ouvia, de criança à vida adulta, sobre o nordeste e me entregar de vez para a fotografia. Tem dado certo até agora! Atualmente a agência Rover Images tem se interessado muito pelas pautas que crio e me incentivado a continuar fotografando Buíque e outras cidades que vou conhecendo em minhas caminhadas pelo nordeste.

Imagem Latente_Buíque_PE

• O que é o Projeto Imagem Latente?

O projeto Imagem Latente foi uma das primeiras coisas que comecei aqui. A idéia do projeto “Imagem Latente: Fotografo, logo existo” nasceu após minha mudança para cidade. Ao me deparar com a grande quantidade de crianças trabalhando nos comércios e construções civis, resolvi pesquisar sobre o desenvolvimento humano da cidade e da educação. Pude constatar que o número de crianças que abandona a escola na virada dos 14 para os 15 anos de idade, prazo de conclusão do ensino fundamental, é absurdo e que mais da metade desses alunos se vêem no dever de trabalhar para complementar a renda de suas famílias. Cheguei a conclusão que, mais do que somente retratá-los devia pensar em metodologias que realmente tivessem como foco suas vozes, olhares, experiências e pontos de vista alem de oferecer uma oportunidade de mudança desse quadro. Então resolvi ensiná-los a fotografar.

O projeto consiste na realização de oficinas com intuito de ensinar crianças da cidade, os princípios básicos da fotografia. O objetivo de cada oficina é a excelência artística, a transformação positiva e o suporte contínuo para as crianças. O projeto pretende além de criar um ambiente em que cada criança aprenda e descubra sua própria criatividade, aumentando, concomitantemente, sua auto-estima, proporcionar uma estrutura para disciplinar as crianças, incentivando-as a serem livres para explorar o seu mundo revelando a “imagem latente” da sociedade em que vivem e que, até então, está presente em seu imaginário. Uma série de reflexões acabam surgindo sobre a escola, a vida cotidiana, o trabalho, etc acabam surgindo.

Atualmente o projeto passa por dificuldades, pois temos pouco material para as oficinas, me refiro aos filmes fotográficos e a revelação dos mesmos. Boa parte das câmeras foram doadas de outros estados, mas os filmes, o pouco que temos, eu mesmo compro e mando trazer de Recife, o único lugar que consigo filmes 35mm a um preço justo. As fotos das crianças ainda não estão ampliadas, apenas na folha de contato, pretendo ampliá-las em São Paulo em breve.

Cotidiano da comunidade quilombola do Mundo Novo em Buíque, PE

• Por que você fotografa?

Acho que deu para notar que a fotografia está muito ligada a minha vida. Minha mãe fotografava muito minha infância e dos meus irmãos. O gosto de documentar talvez venha daí também. Eu fotografo para dar sentido a minha existência e enriquecer quem está a minha volta. Com a fotografia eu educo minha filha, eu me comunico, aproximo pessoas, dou voz a quem eu fotografo. Eu reflito. E acho que esse é o ponto, a fotografia me faz mais eficiente como homem e cidadão. Não vejo minha vida de outra forma senão atrás de uma câmera.

Cotidiano da comunidade quilombola do Mundo Novo em Buíque, PE

Cotidiano da comunidade quilombola do Mundo Novo em Buíque, PE


Para saber mais: tiagohenrique.46graus.com

 

Por que você fotografa? Gabo Morales

Foi Claudio Silvano quem me apresentou o trabalho de Gabo Morales e algumas boas leituras sobre fotografia. Inspirada em um dos livros indicados, começo uma série de entrevistas: Por que você fotografa?

Conheceremos uma São Paulo verde. Caminharemos pelo estado de Tocantis por estradas percorridas coletivamente. Iremos na direção dos movimentos imigratórios. Vamos transitar entre as fronteiras da fotografia documental e não documental. Tantos lugares para entender o motivo pelo qual o fotógrafo, Gabo Morales, é.

MarsilacMarsilacMarsilac, SP

Em seu trabalho autoral, Marsilac, você mostra uma São Paulo verde. Como você chegou ao local e à ideia de criar esse trabalho? Como é fazer esta pesquisa fotográfica durante mais de 5 anos?

Eu estava em busca de um território onde trabalhar. Qualquer território, em qualquer sentido. Em 2012 tive uma pequena revelação quando fazia uma pauta como repórter fotográfico de um jornal. No extremo da Zona Leste, enquanto – eu e o motorista – aguardávamos a chegada de um personagem da reportagem, comecei a prestar atenção no movimento na rua. Era uma avenida comercial cujo nome desconheço até hoje. Bem movimentada. Pessoas com sacolas olhando as vitrines, outras apenas passeando, padarias e bares cheios, muitos carros estacionados, documentos debaixo do braço, entregas sendo realizadas. A revelação foi descobrir que aquela rua era um centro, onde gravitavam interesses da comunidade dos arredores.

São Paulo tem seu centro, a Sé, mas cada região tem seu sub-centro, cada bairro sua rua comercial, cada punhado de quarteirões sua padaria. Muitas vezes não é preciso sair de sua comunidade imediata para viver do necessário. Essa iluminação banal me vez ver com outros olhos a forma como eu via e vivia na cidade. É preciso ver e viver para além do hiperlocal. O meu bairro era essencialmente o centro da minha vida urbana, a partir dele eu crio expectativas, vieses e opiniões que aplico a toda metrópole, mas que nem sempre fazem sentido cinquenta quarteirões adiante. Por sorte, é um bairro central – Santa Cecília –, onde é mais fácil ter acesso à infraestrutura necessária para viver com alguma qualidade. A partir dali eu experimentava a cidade, mas se eu estivesse morando no bairro mais distante do centro real, ainda assim teria que transformar aquela comunidade no centro da minha vida paulistana?

Marsilac, 2014  Caua Nasciento Souza, 10, Marsilac, 2014Marsilac, SP

E qual é o bairro mais distante, mais isolado da cidade? Marsilac. Então eu fui até lá e comecei a fotografar a experiência de viver ali. Tanto para entendê-la, quanto para aprimorar a minha experiência da cidade. Desde sempre, evitando chamar aquele distrito, nem que informalmente, de outra cidade. Parece outra cidade? Não sei, mas certamente não é. Marsilac é tão São Paulo quanto a Sé, depende apenas de que discurso você quer favorecer. Se o meu discurso é que cada canto da cidade tem suas próprias zonas gravitacionais, se cada bairro reúne a comunidade em um centro, não faz sentido resumir São Paulo como uma coisa só: cinza, verde, cosmopolita, provinciana, conservadora ou progressista. Fotografia não é estatística, para abraçar as características da maioria e sustentar seu discurso. Ao mesmo tempo, é um desafio colocá-la a serviço da complexidade.

Sempre vi as coisas assim: para quem vive no centro, Marsilac é o fim da cidade. Para quem vive no Marsilac, ali é o começo da cidade. Lógico que meu trabalho não é ficar fazendo semântica. É político também, no sentido que eu busco questões que tornam mais verdadeira a tese de que Marsilac é o fim. O distrito é duplamente isolado: a cidade para consigo e vice versa. Há pouca infraestrutura, principalmente transporte, mas também poucos equipamentos culturais e sociais, particulares e públicos, para a comunidade. A natureza é abundante, mas uma composição de trem carregando milhares de toneladas de soja e minério de ferro pode passar a noite fungando a alguns metros da janela do seu quarto.

A ideia de fazer isso em cinco anos – no mínimo – é porque eu quero ver se há mudanças na experiência de viver no Marsilac. A vida urbana é muito dinâmica, mas Marsilac é uma zona híbrida, nem tão urbana, nem tão rural. O que acontece naquele território em cinco anos? O que muda, o que fica como sempre esteve. Eu achei meu território, meu espaço de trabalho, agora estou tentando entender seu tempo.

MarsilacMarsilacMarsilac, SP

Você é membro do coletivo de fotografia Trëma. Quais as diferenças entre criar de forma autoral e com um coletivo?

Trabalhar em grupo muda todo o processo. Os territórios se alargam – são a soma dos interesses de todos –, o cotidiano é rico em debates e resoluções. Sua produtividade e criatividade é multiplicada. Mas é preciso ter uma visão clara do que se quer fazer em grupo. Há trabalhos que fluem melhor quando trabalhamos sozinhos, sem pressa, num debate solitário. Em grupo se perde alguma autonomia, mas os benefícios compensam.

Por que fazer um projeto “Lagoa da Confusão: Wanderlândia” fotografando um estado tão jovem como Tocantins no coração do Brasil?

Porque o objetivo principal da Trëma é discutir o Brasil de hoje. A gente trabalha três temas a partir dos quais abordamos a relação entre o personagem e seu espaço: identidade, comunidade e fronteira. E olhamos cada um desses temas no sentido mais amplo possível. Então chegamos ao Tocantins para entender que tipos de consequências sua emancipação, ou a criação de sua fronteira 25 anos antes, teve na identidade de quem vive no Estado. Identidade, comunidade e fronteira. Ajuda o fato de que, pessoalmente, não sabíamos muito sobre o Estado e julgamos que nossa ignorância não era um caso isolado. Longe do Tocantins nos parecia que poucas pessoas se demoram no que acontece dentro do Estado, que curiosamente está no exato centro do Brasil.

Como sozinha a fotografia documental não parece capaz de dar conta da complexidade do homem no seu espaço e no seu tempo, então usamos esse trabalho para aprimorar nossa narrativa em texto, essencial para contextualizar melhor o que estávamos fazendo e o que encontramos.

work-5id-1923V1_filipe_150112_3097Lagoa da Confusão: Wanderlândia, 2015

Você pode contar algo sobre o novo projeto que está trabalhando junto ao coletivo Trëma?

Em 2014 a Trëma realizou um projeto, ainda inédito, provisoriamente denominado Carte-de-Visite. Tratava-se de uma série de retratos de 40 estrangeiros que, recém chegados ao Brasil, passaram pelo centro de São Paulo a caminho de um novo endereço. Após ser fotografado, cada imigrante foi convidado a escrever, de próprio punho, uma mensagem, que seria impressa no verso do retrato, formando um cartão postal que então seria enviado a uma pessoa escolhida por ele ou por ela: qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo. Nós guardamos esse trabalho conosco porque faltava ali alguma adendo; e agora estamos trabalhando nesse adendo, Memento, cuja proposta é revisitar, por meio da fotografia, as memórias da vida de um imigrante recém-chegado no Brasil.

GABO_140909_7998 copy Arnel MonpremirArnel Monpremir, 28 anos, Haiti – “Eu cheguei em segurança, graças a Deus, e não vou te esquecer”.

Lendo o livro “Por que as pessoas fotografam” de Robert Adams, te pergunto: por que você fotografa?

Provavelmente não tenho uma razão única; e se tivesse, não seria uma razão muito poética. Eu preciso me expressar de alguma forma que não exija muito da minha natureza introvertida; é algo sobre o qual não tenho controle. Já toquei instrumentos, escrevi contos, desenhei… mas nada disso com o mínimo de proficiência necessária para transformar o meu discurso em algo interessante, relevante ou valioso para os outros. Quando decidi começar a fotografar de verdade, acho que era um modo de exercer essa necessidade íntima sem precisar de uma grande técnica para atingir as pessoas – mesmo que poucas pessoas. E como transformei isso na minha profissão – talvez ingenuamente – eu também fotografo porque preciso viver.

4C2_FILIPE_150120_46613T1_GABO_150112_2810Lagoa da Confusão: Wanderlândia, 2015


Para saber mais sobre Gabo Morales, visite: gabomorales.comwww.fronteiras.org e www.trema.co. Obrigada, Cláudio Silvano. Fotos de Gabo e do Coletivo Trëma.