Quando o fotógrafo Celso Brandão nos contou sobre a Ilha do Ferro, foi logo dizendo aos músicos da trupe, Viquitor e Bruno, que levassem seus instrumentos e fizessem uma visita ao poeta popular e tocador de oito baixos, Manoel da Costa Lima. Costinha, como assina seus cordéis, é pai de Aberaldo, um dos artesãos mais conhecidos na Ilha. Sobre sua história, sabemos que fazia barcos e sua habilidade com a madeira inspirou o filho a ser escultor.
No primeiro encontro que tivemos com Aberaldo, perguntamos sobre seu pai. O filho comentou que o irmão também é músico e toca muito bem gaita, mas que o pai estava em luto, com a recente perda da esposa, e não tocava mais o oito baixos há uns dois anos. Sentimos a tristeza da ausência da mãe e nos atemos a poucas palavras sobre o assunto.
Fachada de luto da casa de Manoel.
Na volta de Mata da Onça, uma região próxima à Ilha do Ferro, onde fomos conhecer um jovem artesão, nosso amigo e guia Dedé nos recomendou dar uma paradinha na “boca do vento”, onde mora Costinha. Ao chegarmos em um dos lugares mais bonitos pelos quais passamos no sertão alagoano, avistamos ele sentado do lado de fora da casa. Acima da porta de entrada, dois cartazes brancos e uma fita preta: “A nossa casa está de luto / Eu e família de sentimento / Mais a vida é mesmo assim / Foi muito grande o sofrimento / Com a morte da minha velha / Eu não esqueço um só momento”. Poeta Costinha, amigo da paz.
Painel de recortes sobre Lampião e suas histórias.
E na paz, sentamos ao seu lado a admirar a vista e pensar sobre a vida. Logo ele nos chamou para dentro de casa para mostrar um painel com vários recortes de fotos dos jornais da história de Lampião. Como grande admirador, colecionou fatos, nomes e mitos a respeito do cangaceiro. De infância, acompanhou as notícias que o sertão ecoava sobre as lutas entre os cabras do “capitão” e a volante. “Sabe o que é a volante?” ele explica: “a polícia”. Se anima a contar a história do mito do cangaço brasileiro através de seus versos. Testa a memória e relata todos os nomes dos cangaceiros de lampião. E proclama em pé:
Poeta Costinha amigo da paz
O herói das poesias mais lindas
Nascido e criado lá nas caatingas
Da nossa terra querida
Por Deus bem abraçada
Esta terra abençoada
Que faz parte de nossa vida
Lagoinha Sítio Alemar
Pão de Açucar, Alagoas
Terra de Morena bonita
Que nunca me fez o mal
Manoel e o seu oito baixos.
Com a mão trêmula, ele seca as lágrimas do rosto. Aperto meus olhos, emocionada. O coração miúdo fica apreensivo. Para nossa completa surpresa, Manoel se enfia novamente para dentro de casa, talvez em busca de mais versos, penso eu. Do fundo escutamos uma sanfona tocar. Dedé solta um sorriso largo e corre para dentro: “Opa que ele se animou a tocar!”. De lá saem os dois com seus instrumentos. Costinha e seu oito baixos, com as mãos agora firmes e ágeis. Dedé com sua zabumba, animado feito moleque.
Viquitor e Bruno logo vão lá dentro também para buscar um triângulo e um ganzá e tentar acompanhar. Pego minha câmera caseira e começo a filmar. Difícil ficar com os pés quietos, por isso perco o registro entre uma música e outra, a dançar. Tocam um arrastapé danado e o ritmo do coração doído parece ficar mais festivo, mais animado, mais vivo. Quem disse que Manoel se cansa, agora nem quer se sentar. Emenda uma música em outra e aquece o peito com o fole, saudoso.
Foi a música quem me trouxe a Alagoas, em visita a amigos que organizam um festival independente por aqui. Música que entrou em minha vida ao lado de quem faz minhas noites ao som de um violão bem mais felizes. Música que consegue traduzir a verdadeira sede de um sertanejo: pelo amor. Música que desfaz qualquer fronteira e une, ao ritmo de andarilhos como nós.
Texto: Ana Luiza Gomes Fotos: Viquitor Burgos. Obrigada: Adélia Borges, Bruno Nunes, Celso Brandão e Dedé.
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