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Aberaldo e uma família em manifesto pela herança

Se existe um homem sertanejo, ele se chama Aberaldo. Conhecido pelo seu primeiro nome. Lardo, para a família e amigos próximos. Aberaldo Santos Costa Lima, nascido em Ilha do Ferro, Alagoas, é filho de Costinha, poeta e fazedor de barcos, sobre quem já contamos aqui. A padaria local só recebe pães um dia na semana e o mercado mesmo só em Pão de Açúcar, cidade do outro lado do rio. Por isso, é difícil ir à Ilha e não conhecer a casa de Aberaldo, afinal, é sua esposa, Vânia, quem recebe muitos dos visitantes para o café, almoço e janta que ela prepara todos os dias no fundo da casa, em uma mesa larga de madeira no quintal repleto de restos de galhos, raízes, folhas, casulos e troncos retorcidos, muitos à espera de Aberaldo e sua imaginação. Ateliê de Aberaldo, em Ilha do Ferro, Alagoas Enquanto Vânia nos recebe com sorriso largo e – só mesmo alguém que já visitou o sertão ou um interior de cerrado vai entender – com muita fatura nas refeições; Aberaldo senta-se no canto oposto da …

Penitentes, por Guy Veloso

As crenças. Os ritos. A fé: tema que sempre achei central em pesquisas sobre a cultura brasileira. A consagrada série “Penitentes: dos Ritos de Sangue à Fascinação do Fim do Mundo” do fotógrafo paraense Guy Veloso me vem a mente. Um transe entre o documental e o espiritual, onde eu me sinto em uma intimidade absurda e proibida com o outro. Convidar Guy Veloso para falar sobre a criação dessa série seja, talvez, surreal: Iniciado em 2002, “Penitentes: dos Ritos de Sangue à Fascinação do Fim do Mundo”, curado por Rosely Nakagawa, tinha previsão de durar 13 anos. Mas para mim está sendo muito difícil “expulsar” este tema de minha mente, dado o envolvimento com as pessoas que é característico (creio) em meu trabalho. “Penitentes”, também chamados “Alimentadores das Almas”, são grupos laicos de caráter secreto que durante certas épocas do ano, saem noite adentro rezando pelos “espíritos sofredores”, geralmente cobrindo rostos com panos ou capuzes. Tive a sorte de, em 2010, ser o primeiro pesquisador a provar que estas confrarias de tradição oral, grande parte de difícil acesso ou até sigilosas, poderiam ocorrer nas 5 regiões …

Sioma, o papel da fotografia; por Eneida Serrano

Eneida Serrano é importante fotógrafa gaúcha que eu conheci em minhas pesquisas sobre a região, através de sua série Interiores. Ao convidá-la para participar do nosso Diário de Bordo, Eneida nos mandou um presente. Um curta que dirigiu ao lado da cineasta e jornalista Karine Emerich, premiado no Festival de Gramado, sobre a história de Sioma Breitman, nome importante da fotografia em Porto Alegre. É um prazer receber as palavras de Eneida sobre a trajetória para fazer esse trabalho, ouvir a história das pessoas que encontrou e reencontrou nesse caminho, e poder ver o filme “Sioma, o papel da fotografia” na íntegra aqui: No tempo em que a fotografia era de papel e circulava de mão em mão, o nome de um fotógrafo ficou famoso em Porto Alegre: Sioma, assinado no canto de suas fotos, era a marca registrada em cada imagem da vasta obra que Sioma Breitman construiu em meados do século XX. Ele fotografava de tudo um pouco, mas era conhecido e admirado, especialmente, por suas fotos de noivas e por seus retratos de tipos populares, premiados …

Reisado de Caretas, por Samuel Macedo

Esta semana convidamos o fotógrafo cearense Samuel Macedo para colaborar com nosso Diário de Bordo. Conheci Samuel em Rio Acima (MG), visitando uma exposição do Infâncias, projeto do qual ele participa. No Andarilha, ele compartilha um pouco sobre o seu processo criativo para fotografar o Reisado de Caretas através de palavras, imagens e até áudios contando um pouco mais sobre suas histórias: “Eu sou cearense e, de menino, convivo com manifestações culturais como esta. Há alguns anos registro e acompanho o caminhar dos mestres e de suas brincadeiras. Comecei a fotografar ainda quando criança. Meu avô tinha uma oficina de onde saiam as coisas mais legais que já vi na minha vida; um monte de invenção que ele fazia. Uma dessas invenções, a que mais me chamava a atenção, era a câmera escura. Por conta dela, comecei a ter vontade de fotografar.   Às margens da Lagoa do Sassaré, por volta da década de 1930, já se tinha notícia dos brincantes do Reisado de Caretas. É como contava Dona Neuza, mãe de Antônio Luiz, atual mestre do grupo de caretas do sitio Sassaré. Fotografo o grupo há 3 anos. Sempre que vou ao Cariri, passo na …

Domingas: da avó, herdou a fé; do pai, ser ribeirinha

Não vejo meu tio há alguns anos. E não imaginava que ele fosse se animar tanto com meu pedido. Eu queria conhecer um mestre da viola de cocho, instrumento tradicional do rasqueado cuiabano. Antes de abrir a oficina do filho de Seu Caetano, mestre violeiro, recebo o convite: “Vamos conhecer o rio Cuiabá, Ana”. Vamos. Afinal, ver um rio cheio para quem veio de São Paulo é quase miragem. Ele me leva a São Gonçalo, onde todas as boas peixarias estão. Tudo fechado em dia de semana, pensamos em dar meia volta. No meio do caminho, vejo um fundo de restaurante escrito “Siriri”. Opa. Fomos bater palmas no pé da porta da casa com letreiro pintado “Flor Ribeirinha”. Quem varre a entrada é ela, Domingas Eleonor da Silva, conhecida como “uma das mães do Siriri”. Quintal Siriri Cururu, em São Gonçalo Como fã de carimbó de Mestre Cupijó, eu achava que as saias rodavam assim era lá no Pará. Que nada, pois Domingas me conta que é ali que acontecem os ensaios há muitos anos, mais de 40, que ela …