Não conheci Fabiana pelos seus textos, mas sim pelas suas imagens – o que pode ser considerado um pecado. A jornalista pernambucana já lançou vários livros (Os Sertões, Nabuco em Pretos e Brancos, No País do Racismo Institucional e O Nascimento de Joicy) e, como reporter especial do Jornal do Commercio em Pernambuco, venceu recentemente o prêmio Petrobrás de Jornalismo com a série Casa Grande e Senzala.
Foi através de fotos das casas que ela visita em reportagens que conheci seu olhar para o Brasil. Registros de andanças que ela reúne de forma irônica na hashtag #supercasas. Onde anúncios imobiliários de modernos apartamentos se encontram, Fabiana sapeca as imagens das mais belas casas populares. Só mesmo alguém atento às possibilidades de leituras que as redes sociais proporcionam para garantir o tom político tão inerente à este tema: a morada.
• Como jornalista, de onde surgiu a ideia de fotografar casas pelo Brasil?
Nunca tive nenhuma pretensão de fazer um levantamento sobre moradias populares. Mas, ao entrar tantas vezes nas casas das pessoas – já se vão mais de 15 anos pedindo licença e sentando nos sofás ou nos bancos ou no chão do lar dos outros –, aprendi que o que está disposto nas casas diz muito sobre quem está falando. Não se trata de uma correspondência automática, é preciso perceber as sutilezas.
Já entrei em casas sertanejas extremamente sofisticadas: chão de cimento, copos emborcados sobre uma toalha de brim, panelas brilhantes, paredes sem medo de cor. Acho emocionante o cuidado e a dedicação, e penso que as imagens da pobreza e da dureza da alma do sertanejo estão bem distantes daquele lar. São casas políticas no momento em que elas redimensionam a ideia que temos do popular. Minha quase obsessão em fotografá-las tem relação com isso: quero mostrar, compartilhar, o que me emociona e o que acredito provocar fissuras no imaginário.
Super Casas, por Fabiana Moraes
• Por que tageá-las com o nome Super Casas?
O #supercasas é uma provocação. Como o “super” é dedicado geralmente à representações do luxo, do hiperbólico, do sensacional, quis justapô-lo a esse lugar de simplicidade, da taipa, dos calendários nas paredes. Não é uma tentativa de romantizar esses espaços – onde, como em qualquer outro, acontecem conflitos – mas orientar o olhar que os observa sobre outro eixo. Se você colocar o #supercasas no instagram, vai ver que as outras super são sempre lares caríssimos e feitos para poucos. As que são voltadas para casas populares já estão em correspondência com a hashtag que criei para o “projeto” (e um monte de gente já colaborou e colabora).
Super Casas, por Fabiana Moraes
• Em algumas imagens, você narra uma história sobre. Qual a sua história favorita o por que?
Conto as histórias de lares com os quais tive, geralmente, mais contato. Que me intrigaram mais, que me comoveram mais. Nem sempre é possível, é mais comum não contar uma história sobre uma casa. Uma que me marca: a casinha de Sertânia (povoado de Rio da Barra), cercada por uma plantação de palma, que alimenta o gado. Está abandonada há anos. Foi o filho de Pedro, um senhor de 89 anos que mora perto, que construiu. Mas foi para SP e a deixou para trás. Foi ali que vi um pôr do sol inesquecível – alias, vários. A luz por trás dessa casa, quando o sol está se despedindo, é irreproduzível em qualquer imagem – talvez menos na literária.
A casinha verde de Japaratinga foi feita com um carinho absurdo a partir do dinheiro que Lena construíu da cata de marisco. A casa de Maria da Conceição, à beira da estrada, uma casa comprida com apenas uma porta no meio, me lembra uma casa indígena. Um dia conversamos e vi que a casa meio idílica guardava uma série de problemas, como a ausência de energia elétrica, que deixava a família com menos conforto. Pode parecer bonito e romântico para quem está fora, mas não era o caso.
Anna Mariani, Pinturas e Platinbandas
• Quais trabalhos nas artes visuais e/ou na literatura brasileira você recomenda por trabalhar de forma inspiradora a temática “morada”?
Olha, não tem como não citar o levantamento feito pela fotógrafa Anna Mariani no Pinturas e Platibandas, um livro maravilhoso que só descobri depois que comecei a fotografar. Várias pessoas perguntavam se eu já tinha visto e só o conheci quando fotografava há um ano os interiores e fachadas das casas. O livro Arquitetura Popular Brasileira, de Gunter Weimer, que li há anos, antes de começar a fotografar, também faz um bom levantamento – casas indígenas, casas do sul do país, casas ribeirinhas… casas que ainda não fotografei (ainda) estão lá.
Na literatura, acho que um bom caminho de entrada é ler O Cortiço, esse clássico dos vestibulares que é mais do que isso, sabemos. Nas artes visuais, não me recordo de nada específico agora. Mas a pergunta me fez recordar da casa maravilhosa branca, janelas e portas idem, lá em Inhotim, onde está a obra Continente/Nuvem, de Rivane Neuenschwander. A casa de fazenda foi construída em 1874.
•Para você, o que significa “morada”?
Morada: o primeiro lugar que você pensa quando se vê no meio de uma roubada :] pode ser os braços de alguém.
Anna Mariani, Pinturas e Platinbandas
Para seguir: Supercasas. Foto topo: Casa de Maria da Conceição, à beira da BR-101 sul. Por Fabiana Moraes, Super Casas.
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