Nascido em Porto Alegre, Ricardo Teles trabalha como fotógrafo independente para publicações como as revistas alemã Der Spiegel e National Geografic Brasil, pela qual recebeu por duas vezes o prêmio Best Edit de melhor reportagem internacional (2013 e 2015). Foi pesquisando sobre patuás, que cheguei até o seu trabalho e o ensaio “Encantados”. É um prazer recebê-lo no Andarilha para falar sobre suas andanças pelo Brasil:
• O que te levou a fotografar as celebrações afro-brasileiras? Por que o nome Encantados?
Encantados é um termo usado em um religião peculiar do Maranhão, o Terecô. Significa estar sob efeito de encantaria, de um ente espiritual. Acho que isso se aplica bem para o estado de espírito das pessoas que participam das celebrações afro-brasileiras de maneira geral. É uma busca pela ancestralidade, de um significado a existência.
Extraídos a força do seu meio social e natural; condenados a dispersão e a mistura, mercadejados e vendidos, os africanos encontravam-se diante de uma situação limite quando foram trazidos para cá. Foram trezentos e cinquenta anos de escravidão negra no Brasil; o mais perverso, duradouro e lucrativo negócio do Novo Mundo.
O banzo, o auto-aniquilamento, e os quilombos, os levantes em massa, foram alternativas que equivalem à negação no engajamento a conversão. Além delas, entretanto, talvez a mais comum e eficaz forma de resistência foi a encontrada pelos cultos e celebrações afro-brasileiras. Ao invés da auto-destruição ou da guerra, procurou-se enfrentar as mais duras condições com a disposição de perdurar. O artifício de que se valeram, com essa finalidade, foi o de transformar o impulso autodestrutivo em discurso.
A cultura afro-brasileira se desenvolveu e se multiplicou com base neste pensamento e hoje apresenta uma diversidade e riqueza enorme. Fora isso, este tema cruza com meu ensaio anterior, o Terras de Preto, sobre quilombos no Brasil. Foi de certa forma como um prosseguimento, considerando porém as diferenças de estilo e de abordagem.
• Pra você, o que é “patuá?”
Patuá, mesmo para os mais céticos, é a fé na vida. É falar consigo no papel de outro. Geralmente vem simbolizado em amuletos, correntes, brincos ou anéis. Porém, no fundo é isso: a fé em essência. • Como é ser um fotógrafo andarilho e fazer uma série como a Transbrasilianas?
Transbrasilianas é um projeto em desenvolvimento que conta as minhas impressões de um Brasil profundo, de minhas experiências como fotógrafo andarilho. É interessante mencionar que todas as imagens feitas até aqui foram realizadas quando eu estava a serviço de algum trabalho. Ou seja, até o momento não consegui tempo e recursos para mergulhar neste assunto com total liberdade que gostaria.
Em um deles, por exemplo, fiquei por três meses viajando pelo Mato Grosso, foram mais de trinta mil quilômetros por todos cantos do estado e uma experiência muito forte. Neste período, convivi muito com caminhoneiros, que são um dos temas mais importantes deste projeto; além de tantos outros personagens que fui encontrando pelo caminho e que são muitas vezes invisíveis aos olhos de quem habita as grandes cidades.
Enfim, a estrada revelou-se um tema onde consigo abordar diferentes questões sociais e ambientais do Brasil. Acho que é projeto mais inspirador que tenho em toda minha vida profissional; um registro pessoal que é a soma de impressões sobre questões importantes para um melhor conhecimento do país. Continuo intensamente nessa vida de andarilho e tenho muito orgulho de conhecer o Brasil muito além das capitais.
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