Na estrada para Ilha do Ferro, Alagoas, avista-se o sítio Estrelo onde as obras de José Petrônio Farias dos Anjos são enfileiradas já no caminho de entrada para dizer: “bem vindos, aqui mora um artesão”. Ficamos na vontade de parar, mas só no retorno a Pão de Açúcar fomos fazer a visita.
É ele quem acena para a gente entrar com um largo sorriso no rosto: “vocês passaram por aqui na segunda, não foi? eu avistei vocês”. Logo abre sua casa e mostra seu trabalho: cadeiras, bancos, mesas. Aprendeu com Mestre Fernando Rodrigues, já falecido artesão da Ilha, famoso por suas cadeiras de troncos retorcidos, importante incentivador de todos a fazer arte com a madeira. Petrônio conta que recebeu, certo dia, um desafio de Seu Fernando: “faça-me ex-votos de encomenda”. Pois fez e não parou mais.
O fantástico mundo das esculturas de Petrônio Farias.
Gosto de tudo que vejo mas fico mesmo é curiosa com suas esculturas da entrada. Bichos de duas cabeças, olhos arregalados amarelados, dentes afiados, corpos retorcidos, cílios grandes, boca vermelha de sangue. “Minha arte é difícil de vender por que é feia, né?” brinca enquanto caminha com a gente pelo seu trabalho.
“Eu gosto de fazer é isso aí, buscar na própria forma dos troncos o meu imaginário”. Imaginário rico, penso eu. Quero entrar em um parque de diversões de Petrônio, isso sim. Escorregar em seus lagartos gigantes, me divertir com suas criaturas de bocas enormes, fantasiar com seus monstros, ter medo das criaturas estranhas e rir dos rostos mais simpáticos. “Imagine se Tim Burton viesse aqui” comenta Bruno ao meu lado.
Esculturas de galhos secos na entrada do sítio Estrelo.
“Natureza Morta” está escrito em um banco na varanda, onde nos sentamos para conversar. “Quanto mais velha a madeira, melhor; gosto de galhos secos para criar” explica. É na mata que ele procura seus troncos favoritos e os recolhe no fundo da casa, para transformar e dar nova vida.
Meu foco era perguntar sobre seu trabalho, mas confesso que há tempos não tinha um papo tão bom sobre a vida quanto com Petrônio. Falar sobre a natureza, a água, a madeira vai muito além de sua arte, é seu cotidiano, história de seus saberes e aprendizados: como comprou seu terreno, como colocou carne em casa, como capta água, como se tornou um crítico ferrenho, inteligente e lúcido sobre a política. Em tempos áridos em São Paulo, encontrei uma correnteza de pensamentos similares. Sintonia rara e muita admiração.
Do lado de fora de sua casa, uma oficina a céu aberto.
Se não pudesse melhorar a prosa, vem Yang se juntar a nós. Menino, aparenta ter no máximo 15 anos, mas já se formou na escola e hoje está trabalhando em suas esculturas como o pai. Busca uma caixa com seus trabalhos para nos mostrar e, de lá, saem bonecos fininhos, quase bailarinos, as mãos para cima, uma das pernas ao alto, as cabeças redondas, de olhos bem abertos e com bocas miúdas. Delicado. Diferente dos troncos escolhidos por seu pai, Yang carrega a leveza de um coração mais certo do que busca: “Esses bonecos são minha assinatura, nas oficinas com madeira, eu ensino como fazer quase tudo, mas não como fazer esses bonecos, eles são a minha arte”.
Yang, filho de Petrônio.
Como o pai, cria também mobiliário e um de seus banquinhos foi selecionado pela curadora Adélia Borges para a exposição “Em louvor da diversidade: bancos do Brasil”, na galeria Droog, na Holanda. Já Petrônio foi eleito, em 2014, artesão do ano pelo Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore, em Maceió. O prêmio acompanhou uma exposição no local e cobertura da imprensa.
Delicados bonecos de Yang da Paz Farias.
Me despeço da região com vontade de ter conhecido Seu Fernando. Como pode um homem ter transformado por completo a autoestima de um povoado? Buscou nos recursos que estavam ao alcance de todos – a madeira – e no ofício que a maioria sabia – trabalhar a madeira para fazer tamancas e barcos –para criar.
Muitos vão chamar de artesanato, é verdade. Mas no sítio de seu Petrônio, entre os bordados de Ilha do Ferro e Entremontes, eu descobri foi arte. De quem faz muito além de móveis e decorativos, de quem esculpe imaginários.
Texto: Ana Luiza Gomes Fotos: Viquitor Burgos. Obrigada: Adélia Borges, Bruno Nunes, Celso Brandão e Dedé.
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