Quando eu vi o ensaio da jornalista e cientista social, Iana Soares, “Sertão a Ferro e Fogo”, traçando o trajeto das marcas do ferro pelo sertão cearense, não tive dúvida. Convidei-a para contar um pouco sobre este seu trabalho como editora de fotografia do jornal O Povo. Depois de ler sobre sua caminhada, fiquei com a impressão que esses passos deixaram também marcas em Iana, que seguiu solta de Fortaleza para Barcelona para fazer um mestrado, mas levando sempre o sertão em si:
https://youtu.be/YcWXMbjKKy8
A dúvida e o desconhecido movem o passo e desenham os encontros dos que escolhemos o caminho do jornalismo. As histórias dos outros escrevem também a nossa, nas trilhas dos pés que pisam o asfalto e também a terra amarela, marrom e vermelha do semiárido nordestino. Se na vida colecionamos poucas certezas, uma das que costurei sob a pele é a de que o sertão é infinito. É o território do paradoxo e da invenção. Nos dias feitos de esperança, é sempre fim e recomeço.
Chico Gomes, ferreiro habilidoso do distrito de Santa Teresa, em Tauá. Foto: Iana Soares
Fiz diversas fotografias pelo sertão cearense. As que mostro aqui são parte do “Sertão a Ferro e Fogo – Marcas de gado e gente”, publicado no jornal O POVO, em agosto de 2014. Partimos de um detalhe, uma pista: as marcas de ferrar gado, aquelas letras sobre o pelo dos bichos. A partir daí traçamos um recorrido histórico pela colonização do Ceará, que teve na cultura do gado um de seus principais elementos, e investigamos como essa relação foi se transformando ao longo dos anos. É um trabalho que resgata a memória e busca compreender como ela se reinventa e atribui novos sentidos à relação não só com o gado, mas com o território afetivo, cultural, econômico e histórico.
Luiz Monteiro domina aboios e versos em Quixeramobim. Foto: Iana Soares
É um ensaio feito principalmente de retratos e eles só existem pela oportunidade que cada um me deu de transformar suas histórias em imagem. Agradeço ao Luis Monteiro, tão vivo de aboios e lembranças; ao Chico Gomes, que enfeita o sertão com uma letra bonita e os sons da rabeca; aos ferreiros de Potengi; à Dona Nira, mulher forte e hospitaleira; aos vaqueiros da Morada Nova, os grandes e os pequenos; ao Raimundo Cidrão, que descobri ser primo legítimo do avô que não conheci; ao vaqueiro Alberto, um menino de 62 anos; ao Seu Pedro e à dona Nadir, tão bonitos com aquele buquê de ferro; ao Virgílio Maia, que tantas histórias nos contou. A todos que atravessamos o caminho e nos atravessaram, em viagens pelos municípios do interior do Ceará: Morada Nova, Quixeramobim, Potengi, Juazeiro, Crato, Milhã, Nova Olinda, entre outros). Por me apresentarem a vida e a magia do sertão.
Família de Vaqueiros. Foto: Iana Soares
Este projeto foi o meu “até logo” ao jornalismo. Em setembro de 2014 vim estudar um mestrado em Criação Artística na Universidade de Barcelona, na Espanha. Tenho pesquisado a relação entre o real e o ficcional dentro da fotografia contemporânea, em obras que têm a deriva e o caminhar como partes fundamentais do processo de criação. Depois de atravessar o Atlântico, tenho ainda mais certeza de que o sertão não é apenas um lugar físico, e sim um jeito de olhar o mundo. Todos os dias meus olhos amanhecem com a luz que aprendi a enxergar no Ceará.
O especial “Sertão a Ferro e fogo – Marcas de Gado e Gente” foi ganhador do Prêmio BNB de Jornalismo, na categoria de Fotografia Nacional (2015) e na categoria Reportagem Nacional, com textos de Ana Mary C. Cavalcante, Cláudio Ribeiro, Demitir Túlio, Émerson Maranhão e edição de Fátima Sudário. Além disso, ganhou o Prêmio ESSO de Jornalismo na categoria “Criação Gráfica”, com projeto assinado por Gil Dicelli.
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