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Poesia Completa de Manoel de Barros

Se somos brincantes é porque o animal dentro de nós ainda não morreu. Todo animal brinca na brincadeira de sobreviver. O lobo-guará se refastela na grama dourada do cerrado tornando ainda mais laranjas os pelos impossíveis de seu corpo. A mordida suave dos dentes lanças da onça no flanco da outra onça. Ou talvez o tamanduá pequeno, com a língua muito rosada, resolva brincar de labirinto dentro do cupinzeiro e causar a extinção de um reino de terra. É brincadeira, bicho, a sua morte, a sua vida, a roleta russa, mas não para perder os dedos, e sim as garras. Manoel de Barros não dançava a dança das cadeiras, mas para ele tinha sempre lugar, o do escritor. O dono do bestiário, para sê-lo, é porque se esqueceu das grades e gaiolas. Nada que habita o corpo do poeta pode ser prisioneiro. Então quando Manuel esticava as mãos, uma mariposa era atraída pelo sangue do sol nas águas. Pulavam do trampolim de cabelos brancos, as aves úmidas de silêncio. Dos caracóis, então, nem se fala. …

FAZ QUE VAI

Se o corpo não serve para romper, de nada adianta que ele tenha tantas fendas, que se estique como elástico moreno, que se molhe como uma flor úmida de sexo. Se o corpo não for como um vulcão, destruindo com lava de brilhantina laranja toda a heteronormatividade e a chatice das dicotomias corporais, então ele é inútil. Agora, se o corpo transborda para além da pele, um copo de derme bem geladinho e provocante, então ele pode vir a se constituir como brincante. Mas não são todos que o são. Queriam ser; mas é preciso ter um quê de entidade, deusa andrógina, de perna musculosa linda quando combinada com a saia. A fotógrafa Bárbara Wagner e Benjamin de Burca filmaram e as puseram para reinar no trono balançante da dança no vídeo Faz que Vai. Ryan é rosa e ácida como as orquídeas que Mapplethorpe insistia em fotografar. Edson tem a graça de uma lula divagando no mar. Para ser brincante você tem que vencer a gravidade entediante. Bhrunno é um leão de dia, mas de noite é …

Brincante, por Guto Borges

Em uma festa do Boi no Morro do Querosene em São Paulo, uma amiga me disse: “vou ali brincar” e seguiu para a roda onde todos pulavam, dançavam, cantavam. Ouvir aquele verbo ser conjugado por adultos em territórios tão urbanos me causou um certo estranhamento. Estariam os corpos ocupantes das grandes cidades restritos aos shoppings e aos carros? Seriam eles “brincantes” apenas no carnaval e em algumas festas pontuais? Foi na fala do historiador Guto Borges sobre o carnaval de rua de Belo Horizonte que percebi: há muito que este corpo quer voltar a habitar às várias mãos, à pé, de bicicleta, de salto, de manhã ou à noite, na cidade, nas ruas, nas praças e, de preferência, de catraca livre. Afinal, o brincante é muito mais que um folião. Ele é o autor do não confinamento de seus desejos e manifestações  — expressão criativa de transformações importantes. Mas o que significa ser um brincante hoje? Foi então que começamos nossas pesquisas por aqui e com uma entrevista com o mineiro que é um dos agentes e brincantes do carnaval de rua de BH: Como foi a sua infância? Do …

Brincante, por Julio de Paula

Quem nos apresentou ao paisagista sonoro Julio de Paula foi a produtora cultural e radialista Biancamaria. De lá para cá, nos encantamos com o projeto Pai dos Burros, criado pela artista visual Teresa Berlinck em parceria com Julio, que traduz em imagens e sons cada página do Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo. Formado em Comunicação (Rádio e TV), Julio é diretor de programas da Rádio Cultura FM de São Paulo e editor de Supertônica, programa com Arrigo Barnabé. Boa parte da sua atuação profissional é também dedicada ao registro e salvaguarda de manifestos culturais e populares pelo Brasil e pela America Latina. Por aqui falamos sobre suas andanças e ganhamos um presente: uma trilha feita para o nosso Dicionário de Bolso especial “brincantes”: Como foi a sua infância e como você brincava? Passei minha infância nas ladeiras de uma pequena cidade do Vale do Paraíba. Como meus irmãos eram muito mais velhos do que eu, em casa eu brincava muito sozinho, passando bastante tempo com brinquedos de montar. E a inventar histórias com playmobil. Uma tia me incentivava a desenhar – o que por um certo tempo …

Brincante, por Gabriela Romeu

Já falamos do Infâncias através das fotos de seu colaborador Samuel Macedo. O projeto das jornalistas Gabriela Romeu e Marlene Peret é sempre a nossa principal fonte para falar sobre identidade brasileira através de quem está a reinventando: as crianças. Investigar o que é ser “brincante” é também entender a raiz desse termo em sua formação na nossa cultura. É na infância que acontecem as primeiras vivências dos pequenos em manifestações culturais. Que delícia é poder entrevistar Gabi sobre suas andanças e seu olhar tão afetivo e apaixonante pelos mais jovens brincantes do país: Como foi a sua infância? De onde surgiu o projeto Infâncias? Tive uma infância urbana periférica de pés descalços, sempre encardidos das brincadeiras de mãe-da-rua. Éramos os donos da rua. No bairro operário onde cresci, meninos e meninas viviam em bando, aos bandos. Umas das lembranças que tenho é uma enorme árvore, um chorão, que foi o pique da minha infância. Mas foi na infância vivida no corpo de minha mãe e de suas irmãs – todas mineiras, conversadeiras – que fiz minha primeira incursão …