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Um encontro com Zé Bezerra, por Tiago Silva

Em Pernambuco, a tradição de desbastar a umburana, arvore típica da Caatinga, para esculpir carrancas, imagens religiosas entre outras figuras, é mais forte em cidades do sertão como Petrolina. No agreste, esse saber é mais presente em Ibimirim. Entretanto, é em Buíque que reside um dos grandes nomes escultores: José Bezerra ou Zé Bezerra, como prefere ser chamado. Nascido em 1952, Zé, há um pouco mais de uma década, conta que teve um sonho em que era chamado a realizar os trabalhos que faz atualmente. A partir daí, ele passou a olhar as madeiras que o cercavam e a intervir nelas. Essa “intervenção” na madeira feita por ele não ocorre na forma tradicional: “eu não crio nada, a coisa já está lá, eu só ajudo a fazê-la nascer”. São bichos, corpos e rostos, esculpidos geralmente em toras de madeira encontradas na região. Não são figuras que remetem à leveza do nosso imaginário da arte feita à mão, ou arte dita popular. Pelo contrário, são esculturas que parecem lutar para emergir. JB, como assina, atribui essa luta à sua própria …

Super Casas, por Fabiana Moraes

Não conheci Fabiana pelos seus textos, mas sim pelas suas imagens – o que pode ser considerado um pecado. A jornalista pernambucana já lançou vários livros (Os Sertões, Nabuco em Pretos e Brancos, No País do Racismo Institucional e O Nascimento de Joicy) e, como reporter especial do Jornal do Commercio em Pernambuco, venceu recentemente o prêmio Petrobrás de Jornalismo com a série Casa Grande e Senzala. Foi através de fotos das casas que ela visita em reportagens que conheci seu olhar para o Brasil. Registros de andanças que ela reúne de forma irônica na hashtag #supercasas. Onde anúncios imobiliários de modernos apartamentos se encontram, Fabiana sapeca as imagens das mais belas casas populares. Só mesmo alguém atento às possibilidades de leituras que as redes sociais proporcionam para garantir o tom político tão inerente à este tema: a morada. • Como jornalista, de onde surgiu a ideia de fotografar casas pelo Brasil? Nunca tive nenhuma pretensão de fazer um levantamento sobre moradias populares. Mas, ao entrar tantas vezes nas casas das pessoas – já se vão mais de 15 anos pedindo licença e sentando nos sofás ou nos bancos …

Encantados, por Ricardo Teles

Nascido em Porto Alegre, Ricardo Teles trabalha como fotógrafo independente para publicações como as revistas alemã Der Spiegel e National Geografic Brasil, pela qual recebeu por duas vezes o  prêmio Best Edit de melhor reportagem internacional (2013 e 2015). Foi pesquisando sobre patuás, que cheguei até o seu trabalho e o ensaio “Encantados”. É um prazer recebê-lo no Andarilha para falar sobre suas andanças pelo Brasil: • O que te levou a fotografar as celebrações afro-brasileiras? Por que o nome Encantados? Encantados é um termo usado em um religião peculiar do Maranhão, o Terecô. Significa estar sob efeito de encantaria, de um ente espiritual. Acho que isso se aplica bem para o estado de espírito das pessoas que participam das celebrações afro-brasileiras de maneira geral. É uma busca pela ancestralidade, de um significado a existência. Extraídos a força do seu meio social e natural; condenados a dispersão e a mistura, mercadejados e vendidos, os africanos encontravam-se diante de uma situação limite quando foram trazidos para cá. Foram trezentos e cinquenta anos de escravidão negra no Brasil; …

Por que você fotografa? Por Tiago Silva

Tenho certeza que a hora que eu encontrar Tiago Silva, a gente vai se perder contando histórias. É ele quem dá linha à prosa boa sobre fotografia e conta muito sobre sua trajetória de vida e como isso influencia diretamente o seu trabalho. Um dos membros do recém criado Coletivo Nação, Tiago largou São Paulo pelas raízes pernambucanas e relata aqui um pouco de seus passos: • O que é o Coletivo Nação? O Coletivo Nação é um projeto que eu e mais 12 amigos de distintas regiões do país começamos a desenvolver em Fevereiro deste ano, com o objetivo de criar relatórios visuais que destaquem as idiossincrasias do Brasil. Com uma abordagem que almeja ir além dos esteriótipos, das festas populares, da religiosidade, o que nós buscamos são momentos do cotidiano que identifiquem aspectos da identidade brasileira que, quando somadas, revelem a pluralidade do nosso país sem perder de vista as similaridades dos fazeres que nos identificam como Nação. Esse pensamento é apoiado em diversos fatores, talvez o principal seja justamente a estereotipação da cultura regional brasileira, muitas …

Ambulantes, por Renata Marquez

Quando pensamos no tema Ambulante, nossa colaboradora da rede Andarilha, Anna Cunha,  sugeriu entrevistarmos a mineira Renata Marquez, doutora em Geografia, professora de Análise Crítica da Arte na UFMG e autora de diversos projetos que percorrem as temáticas territórios e arte; arquitetura e geografia. Sou fã do livro de bolso Domesticidades e de uma das suas contribuições para uma das melhores revistas sobre ocupação de espaço público, a Piseagrama. Por aqui, vamos falar sobre os trabahos Atlas Ambulante, Geografias Portáteis e investigar novos sentidos para a palavra “ambulante”: Por que fazer um atlas ambulante? Há melhor cartógrafo do que uma pessoa ambulante? Um atlas pressupõe a ambulância. Entretanto, se o mapa-múndi era redesenhado a cada nova viagem dos navios quinhentistas, isso pode nos fazer pensar duas coisas: uma, que ali havia muitos mundos outros que foram recusados, combatidos; e outra, que a cartografia era uma atividade diretamente ligada ao poder. Hoje, gostaríamos de subverter a recusa e o poder cartográfico: o simples ato de andar pela cidade pode revelar-se contra-cartográfico, no sentido de ser um poder …