Esta semana convidamos a jornalista brasiliense Carolina Nogueira para colaborar com nosso Diário de Bordo. Carol é quem troca palavras e rabiscos comigo por cartas, cartões, e-mail e até um livro sobre a história de vida de nossa avó. Por aqui, ela conta sobre a criação do Quadrado, um blog onde escreve sobre andarilhar pela própria casa, em busca de uma nova Brasília para chamar de sua:
Você faz as malas, arruma um apê e vai. Mudar de cidade é assim: um liga-desliga. Até ontem era ali, a partir de hoje, pronto: você tem um CEP do outro lado do mundo. Mas viver em outro lugar – isso leva tempo.
Cinco anos depois e eu finalmente vivia em Paris. Cinco anos depois e eu sabia francês, eu tinha amigos, eu sabia exatamente onde estava – estava em casa. Cinco anos que passei abrindo janelas: virei mãe, integrei um segundo idioma que agora dava o ritmo das minhas melhores leituras e da minha produção acadêmica, voltei a desenhar, comecei uma psicanálise. Cinco anos que passei indo. Eu não sabia mais voltar – mas precisava aprender.
“Voltar para Brasília” eram três palavrinhas que pesavam uma tonelada. Não por Brasília: eu sempre tive a exata noção do privilégio que é viver numa cidade-parque, do luxo que é poder tomar café da manhã com meus pais e minhas irmãs e minhas sobrinhas e meus amigos num piquenique despretensioso quando eu bem entendesse. Isso é que é um luxo, não a Avenue Montaigne. Mas mesmo assim, voltar pesava.
Eu não era mais a mesma, Brasília não era mais a mesma, e eu sabia disso. Mas sabia também, porque conheço os subterfúgios das rotinas arraigadas, que se não estamos atentos, raízes subterrâneas nos levam de volta aos mesmos lugares, aos mesmos sentimentos, às mesmas pessoas, aos velhos hábitos – mesmo aqueles que não queremos manter.
Então eu cheguei atenta em Brasília. Eu cheguei incumbida, cheguei designada por mim mesma para a missão de reinventar o voltar.
E é porque eu estava atenta que vi muito bem quando a felicidade passou selada na minha frente. Dani, uma amiga distante que agora trabalhava no mesmo lugar que eu, me ouviu falar por cinco minutos sobre essa reinvenção da volta – e me ofereceu de bate-pronto, assim, do nada: vamos fazer um blog sobre Brasília?
E fomos.
Para descobrir novos lugares. Para conhecer novas pessoas. Para fazer uma nova parceira para a vida. Para olhar Brasília com as janelas que Paris abriu em mim. Para viver Brasília, para amar Brasília desse jeito diferente.
Para convidar as pessoas a olhar Brasília por essas outras janelas.
E se a ditadura do carro só existisse porque ninguém nunca a questionou? E se a gente fizesse um piquenique no jardim do prédio? E se o brasiliense pudesse empreender criativamente, ao invés de rumar para o concurso público como gado no matadouro? E se a gente pudesse humanizar a cidade, desfazer pouco a pouco os abismos sociais que caracterizam a capital do Brasil?
O Quadrado floresceu de sementinhas de “e se…?” plantadas na minha cabeça, na cabeça da Dani e na cabeça dos mais de dez mil leitores que hoje passam por lá. Sementinhas de “e se…?” que viraram textos e viraram fotos e viraram novas amizades – e me ensinaram a voltar.”
Por Carolina Nogueira.
Imagem: divulgação Quadrado Brasília
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