Dentro das malas de couro em Juazeiro do Norte, trepidando num ônibus acalorado, existindo dentro da pinhole, a câmara fotográfica do nordestino produz fotos que, não como outras, perambulam. No documentário de Joe Pimentel, andamos. Andamos com os romeiros, com os mortos e com os fotógrafos. Com quem entende da luz como se pudesse capturá-la entre os dedos, segurá-la como um diafragma para soltá-la e nascer em foto.
São artistas do analógico: ainda fazem a foto como a foto foi inventada. Antes mesmo dela existir como captura da luz, mas também, a analógica por si só, a pintura, o curvar do pincel. Mas a feitura é muito humana, porque as pessoas que são fotografadas acham essa experiência uma preciosidade. É uma chance de estar com Padre Cícero, de sentir sua mão e benção, ter um céu azul, ou a alma híbrida entre retrato e pintura pendurada numa parede que subitamente, toda tons pasteis de verde e rosa, ganha jeito de relicário. De fato, a fotopintura é a lembrança da promessa cumprida, da romaria feita.
São como ouriços, essas fotos. Explico com a frase de F. Schlegel, são pequenos pedaços de arte, fragmentos próprios de uma realidade fechada em si mesma. Eu não duvido que, ante a penumbra do quarto, o apagar da luz, os personagens das fotos transitam devagar, com a graça de um ouriço nas águas, entre molduras, continuando suas peregrinações.
Cecília Garcia nasceu em São Paulo, onde mora e trabalha como jornalista. Filha de um pai inventor-gambiólogo-cientista e uma mãe que acredita-cuida de duendes, Ceci aprendeu a alimentar seus bichos internos e faz deles seres vivos criativos, que a ajudam a construir mundos fantásticos, um tanto orgânicos e labirínticos. Por aqui, é ela quem dá dicas de livros e filmes para o nosso Dicionário de Bolso Andarilha.