Poesia Completa de Manoel de Barros
Se somos brincantes é porque o animal dentro de nós ainda não morreu. Todo animal brinca na brincadeira de sobreviver. O lobo-guará se refastela na grama dourada do cerrado tornando ainda mais laranjas os pelos impossíveis de seu corpo. A mordida suave dos dentes lanças da onça no flanco da outra onça. Ou talvez o tamanduá pequeno, com a língua muito rosada, resolva brincar de labirinto dentro do cupinzeiro e causar a extinção de um reino de terra. É brincadeira, bicho, a sua morte, a sua vida, a roleta russa, mas não para perder os dedos, e sim as garras. Manoel de Barros não dançava a dança das cadeiras, mas para ele tinha sempre lugar, o do escritor. O dono do bestiário, para sê-lo, é porque se esqueceu das grades e gaiolas. Nada que habita o corpo do poeta pode ser prisioneiro. Então quando Manuel esticava as mãos, uma mariposa era atraída pelo sangue do sol nas águas. Pulavam do trampolim de cabelos brancos, as aves úmidas de silêncio. Dos caracóis, então, nem se fala. …