Patua, Patua Cecilia
Deixar um comentário

Livro: E Daí Aconteceu o Encanto

É a árvore desconhecida. Eu não sabia que os cactos podiam crescer para além dos telhados, das casas de Omolú e Oxalá. Ao folhear as páginas do livro Daí Aconteceu o Encanto, senti como se revirando um caleidoscópio apertado contra as pálpebras, a dança dos miúdos vidros coloridos intrigante e indecifrável, tornando impossível parar o giro. Mãe Stella conhece dos Orixás, das heranças, e quando escreve, faz com o que leitor se sinta nessa posição de criança encantada, mas também ignorante.

Porque das rainhas e reis de ébano que teceram a história do Candomblé, Mãe Stella herdou a agulha. Para nós também tece, mas não com condescendência. Quando conta no livro a vida de Mãe Aninha, fundadora do terreiro de candomblé Ilê Axé Opô Afonjá, pede um dicionário. É uma colmeia de palavras que fazem mais sentido quando faladas, o mel da boca. Como transformar uma história que deveria ser de voz em um livro? Só trançando, e fazendo isso só com magia, as agulhas do espinho do cacto ancestral.

Mãe Stella conta causos, assim, criando a roda com leitores invisíveis. Para contar sobre a resistência e sabedoria de Mãe Aninha, decide picotar sua trajetória em fragmentos curtos e fortes. Como a vez em que Xangô dançava tranquilamente, e ante a possibilidade da invasão da polícia em seu terreiro, o fez desaparecer; eram invisíveis as danças, os atabaques, as linhas do novelo. Os policiais passaram, o caleidoscópio girou. Ainda gira.

O livro não é pelo de lobo nem escama de cavalo marinho, mas também tem a força invisível do patuá, o sagrado que não pode ser contido, mas às vezes faz a graça de habitar as páginas, por prazer deles, para nos ensinar.


Cecília Garcia nasceu em São Paulo, onde mora e trabalha como jornalista. Filha de um pai inventor-gambiólogo-cientista e uma mãe que acredita-cuida de duendes, Ceci aprendeu a alimentar seus bichos internos e faz deles seres vivos criativos, que a ajudam a construir mundos fantásticos, um tanto orgânicos e labirínticos. Por aqui, é ela quem dá dicas de livros e filmes para o nosso Dicionário de Bolso Andarilha.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *